Fazenda da Quinta - 3ª - A família.
Meu avô materno, Adolfo Luiz Pereira da Silva, um de seus proprietários, faleceu com pouco mais de tinta anos de idade, na década de vinte, do século passado, deixando os filhos: Thereza, Sylvio, Maria e Luiz, ainda crianças. Meu pai, Mário, que era seu sobrinho e depois seu genro, costumava me contar que ele era um homem grande e forte, e certa feita retornando do campo todo molhado pela chuva, a sua esposa, Anna América, lhe esperava com um chá quente mostrando preocupação, quando ele disse ser muito forte, dando dois socos "nos peitos", passando a tossir logo em seguida. Trinta dias após estava morto, por uma "tuberculose galopante".
Meu avô paterno, Ney Xavier Azambuja, casado com a irmã de Adolfo, Faustina Pereira da Silva, assumiu a administração da grande fazenda, trazendo como capataz o filho mais velho, Mário, e como agricultor, na incipiente lavoura de arroz, o outro filho, Lauro, terminando o primeiro por casar com a prima Thereza, e o último com a outra prima Maria.
Anna América veio a falecer em 1930, quando então a fazenda foi dividida. Entretanto, Sylvio e Luiz, fizeram sociedade com o primo e cunhado Lauro, constituindo uma importante firma, Luiz & Azambuja, responsável pelo desenvolvimento da Vila Santa Rita do Sul, ao trazerem como parceiro agrícola o Senhor Adriano Scherer.
GALPÃO.
Meus olhos ainda alcançaram, quando naquela Fazenda da Quinta, em uma mangueira de pau à pique, os cavalares ao serem encerrados na madrugada, ao grito de "forma, forma" ficavam com suas ancas encostadas na paliçada, e as cabeças voltadas para o centro da mangueira. A explicação é muito simples, pois devido ao escuro da quase noite, seria difícil identificar os animais por seus campeiros, o que só seria possível por suas cabeças. Todos sabemos que cada cabeça é uma cabeça, não é mesmo? Antevejam que eram muitos campeiros, e lógico, muitos cavalos, já que eles eram a riqueza das fazendas, pelos constantes combates guerreiros.
HISTÓRIAS QUE ME CONTARAM.
O prazer.
Ouvi esta história do próprio Galo Velho, quando lhe questionei como era o salário naquele "outro tempo".
"Menino. A gente trabalhava por prazer. Tínhamos orgulho de encilhar bem nossos bons cavalos, trazendo os aperos cuidados, principalmente nossos laços. O serviço era campo à fora, pois não tínhamos as mangueiras de hoje. Imagina tratar aqueles animais quase selvagens, quando era preciso dois laçadores ao derrubá-los, para serem curados. Pouco se castrava, já que quase tudo era ao natural, e os touros mais fortes predominavam nos rodeios. O cuidado maior era com as grandes manadas de cavalares, a riqueza do campo, juntamente com os couros. Então se cuidava das domas, das castrações dos mais fracos, pois os próprios reprodutores evitavam a consanguinidade de suas manadas. Os trabalhadores eram tratados como da própria família, e nada faltava para seu bem estar. A comida era a mesma do patrão, as roupa eram boas, mesmo sendo usadas, boa coberta e atendimento de saúde pelo próprio médico da família. Dinheiro não tinha utilidade, pois nada havia para se comprar. Foi realmente um outro mundo".
FECHANDO A PORTEIRA.
Ainda o prazer.
Esta conversa com o Galo Velho, contando que se trabalhava por prazer, faz lembrar outras atividades que também não eram remuneradas, e muito melhor desempenhadas que as de hoje em dia. Meu Pai foi vereador em Camaquã por três ou quatro administrações, e nada recebia em troca de seus serviços, que desempenhava por amor ao seu partido político, o PL, Partido Libertador. Os jogadores de futebol também nada recebiam, e seus esforços eram por amor aos seus clubes. Fico me perguntando se o dinheiro "engoliu" os ideais.