domingo, 12 de setembro de 2010

Boletim 51

ABRINDO A PORTIRA.
Fazenda da Invernada - 3ª - "Café da manhã".
A mesma mesa do jantar, agora no horário das 8 horas. Os homens encilharam na madrugada, levando seus "fiambres" para o almoço. O velho caudilho não encilhava mais, ou melhor, só não encilhava os cavalos. O café era farto, como se prezava em fazenda rica. Pão caseiro, broa de milho, bolo e batata doce. Bolacha égua, que ali chegava em barricas, e alguns biscoitos caseiros. O leite vinha fervendo lá da cozinha, junto com o bule de café preto. Então, eu tirava aquela nata que se forma sobre o café com leite, quando o tirano perguntou, o que eu estava fazendo. Disse que tirava a pequena nata, mas ele insistiu, perguntando se eu gostava de nata. Descobri depois de tinha uma prima "mexeriqueira", que nos entregava ao velho. Dei uma resposta evasiva, que não me importava muito com a nata. Ele calou, e o café terminou tranquilo. Ao sairmos ele me chamou. "Lavou a boca hoje de manhã?". Sim Vovô. "Então abra a boca para eu conferir". Foi o que fiz, quando entrou uma colher cheia de nata na minha boca, e nos meus ouvidos - "Coma para aprender!" Claro que não aprendi, pois 70 anos passados ainda detesto nata. Mas, aprendi obediência e respeito, coisa que os jovens de hoje desconhecem.

GALPÃO.
As carreteadas.
Já falei em outro boletim, o quanto a Fazenda da Invernada, e mais ainda a Fazenda da Quinta, ficavam distantes da Vila do Duro, por tal, eram abastecidas da Vila da Pacheca, que recebia mercadorias de Rio Grande, onde moravam meus bisavós, e também de Pelotas. Muitas vezes vi o carroção toldado, tracionado por duas juntas de bois, sair em viagem, quando além do boeiro sentado na boléia, vinha um peão a cavalo com aguilhada comprida, cavalgando ao lado. Imaginem que as fazendas mandavam, por um "próprio", os seus pedidos aos parentes de Rio Grande, já que lá residia o vovô Ignácio Xavier Azambuja. Estas cartas eram transportadas em barcos a vapor, que vinham à Pacheca buscar lenha, da mataria do Rio Camaquã, o grande "combustível" da época. Pacheca era uma vila muito mais próspera, que a própria Vila do Duro.

HISTÓRIAS QUE ME CONTARAM.
Meu amigo Claudio Roberto Ribeiro (claudioribeirors@brturbo.com.br) contou-me sua história, que nunca imaginei fosse tão campeira. Hoje um homem realizado, chefe de uma linda família, integrado na nossa sociedade, aposentado do BB, e principalmente avô do "colorado" Theo.

"O isqueiro matou o 'fósfro', e a luz matou o isqueiro. Os caminhões mataram as tropas, e a saudade matou o tropeiro!" (Autor desconhecido)

"O corredor das Tropas".
"Começa a chegar a Semana Farroupilha e, mais uma vez, sinto-me meio deslocado, menino de cidade.
Morei a poucas quadras do "Corredor das Tropas", caminho que faz a ligação entre o Bairro das Três Vendas e o Porto de Pelotas, onde estavam localizados os matadouros dos grandes frigoríficos - Swift, Anglo, Armour. Em outras palavras: o caminho entre o Hipódromo da Tablada e o Solar da Baronesa, no Areal.
Vi passarem tropas tão grandes que a gurizada sentava-se à beira da estrada para assistir.
Muita poeira, muito barulho de casco, latido de cachorro, gritaria de gente e... muito mugido triste.
O cheiro doce/podre nos locais de matança é algo que adere ao nariz e à memória.
Também trabalhei numa ferraria, ferrando cavalos, batendo malho pra fazer os aros das rodas de carroça. Pata do animal apoiada no meu joelho, muito casco aplainei (que fedor!) pra colocar as ferraduras ainda meio quentes. Lembro das ferraduras fininhas para os cavalos parelheiros...
Também ajudei o verdureiro da chácara que ficava na frente da nossa casa. Encilhei muito cavalo para a carroça/charrete do reparte.
Meu pai foi motorista de estancieiro, motorista de "barraca" de lãs. Menino, antes do primeiro emprego formal aos quatorze anos, fui muito para Bagé, Hulha Negra, Pedras Altas, Herval... Temporadas invernais em lugares que até Deus duvida que tenha criado... Muito galpão, muitos cavalos... e todo tipo de comida à base de carne de ovelha. Meu Deus, como tem ovelha no mundo!
"Desculpem, não tive tempo de ser gaúcho."

FECHANDO A PORTEIRA.

A Querência dos Poetas Livres.

Pois vou falar de um movimento campeiro. Diferente de todos os demais, sem fugir da cultura de nossas tradições. Apenas quatro reuniões anuais, em meses estabelecidos e nas terças feiras à noite, começando as 20hs e terminando as 23hs impreterivelmente. No rancho ou galpão de um parceiro, com a janta e bebida "patrocinada" por três Parceiros. Tudo na simplicidade do gaúcho, comida campeira, chimarrão, ceva ou vinho dependendo da temperatura ambiente. Não temos tesoureiro, pois dinheiro e mulher são os maiores problemas gaúchos, entretanto, as esposas dos Parceiros, também chamadas de Parceiras, participam ativamente. Não temos Regimentos, apenas 12 artigos de um Regulamento, sem outra obrigatoriedade que a moral e o respeito. Nem mesmo somos obrigados da frequência, vai quem gosta e quer.

2 comentários:

  1. Luis, o teu caudilho era um tirano, e que certamente deve ter sido mais do que torturado pelo pai, para tamanha vingança assim contigo. Que Deus o tenha, mas ensinava torturando. Sei bem o que foi isso também. Eu odeio nata e mosquitos. Não sei o que é pior - só regimes ditatoriais, talvez, sejam familiares ou políticos. Grande abraço.

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  2. Irmão Primo JVitor.
    Fiquei preocupado. Estou progamando nova "chegada" deste casal querido aqui na Sant`Anna no verão. Nata saberei resolver o problema, mas e os mosquitos? Vou contratar um avião agrícola para fazer "limpeza", mas não será ecológico...
    Abraços
    LFernando

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Galo Velho

Camaquã, Rio Grande do Sul, Brazil
Fundado em 05/07/1980, assim foi escrito em sua 1ª página do 1º Livro: “O que importa neste GALPÃO é que cada um saiba ser irmão do outro. Aqui terminou o patrão e o empregado; o pobre e o rico, o branco e o preto; o burro e o inteligente; o culto e o ignorante. Aqui é a INVERNADA DA AMIZADE e tem calor humano como tem calor de fogo. Nosso Galpão nem porta têm, está sempre aberto para quem buscar um abrigo. Neste Galpão os corpos cansados da lida diária encontrarão sempre um banco para descansar, e um mate amargo para a sede matar. Aqui o frio do Minuano não encontra morada, temos toda a Sant’Anna irmanada. A cada nascer de uma madrugada há de encontrar alguém aquentando fogo, buscando nas cinzas do passado, o Galo Velho que será, quando partir para a Invernada do Esquecimento. Ninguém será esquecido, se passar nesta vida vivendo como o nosso “Galo Velho” viveu, a todos querendo, sem nunca ter o mal no coração.”