sábado, 28 de agosto de 2010

Boletim 50

ABRINDO A PORTEIRA
Fazenda da Invernada - 2ª - "Sala de jantar".
Uma grande mesa oval, numa sala retangular, com três janelas para um pátio interno, e iluminada com três lampiões aladim. Na cabeceira o vovô caudilho Ney Xavier Azambuja, depois por ordem hierárquica (afinal aquilo era um quartel), até a outra cabeceira, onde sentavam os piás, pobres piás. Tudo começava com o retumbo de sua voz: "Na mesa se come, na sala se conversa e na cama se dorme". Vai dormir com um barulho destes! Ninguém podia abrir o bico, principalmente os piás, algum mais velho ainda passava. Cozinheira e camareira tinha "às pampas", mas o serviço na mesa era também por ordem hierárquica, e quando a costela chegava no prato dos piás, já estava fria. E naquele silêncio sepulcral, o piá não tinha como se socorrer da "mamãe", era tudo com ele, naquele garfo e faca tão grandes. As refeições eram demoradas, num ritual salutar e de respeito, numa mesa que nunca baixava de quinze pessoas. Quando então numa mesa de café - mas isto é assunto para o próximo boletim.

GALPÃO.
Matutei no Galpão do Galo Velho.
Uma madrugada muito fria, como só o gaúcho sabe apreciar o frio, fez aproximar meu banco pra perto do fogo forte, sorvendo o amargo do meu mate e soltando o pensamento, na várzea do passado. O silêncio bom me envolveu, e são momentos em que a gente se sente solto, como no lombo do cavalo, galopando ao vento. Então um pressentimento me disse que não estava só, e que um diálogo flutuava no ar, na busca de uma aproximação. Tantos que se foram, que fica difícil uma identificação, mas fica a paz e o sentimento bom da calma, que compassou o bater do meu coração. É preciso amar. Não só o meu próximo conhecido, mas até mesmo aqueles que me foram desconhecidos, e que partiram, estando no aguardo de um breve encontro.

HISTÓRIAS QUE ME CONTARAM.
O Cel. Ney Xavier Azambuja.
O sobrenome Azambuja, provém da vila de Azambuja, em Portugal, que é cabeça de conselho, localizada no distrito e patriarcado de Lisboa, pertencendo à comarca de Cartaseo. Era abundante na região uma árvore de boa madeira, chamada de "zambujo".
O Cel. Ney descende desta tradicional família, e nasceu na Fazenda da Invernada no dia 25 de agosto de 1865, filho de Ignácio Xavier de Azambuja e de Marcolina de Jesus Centeno. Era ainda tataraneto do capitão Francisco Xavier de Azambuja e de Rita de Menezes, que era filha de Jerônimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos, proprietários da sesmaria que deu origem a Porto Alegre.
Casou o Cel. Ney em primeiras núpcias com Faustina Centeno Pereira da Silva, proprietária da Fazenda da Quinta, pois era irmã de Adolfo Luiz Pereira da Silva. Deste casamento surgiram 13 filhos, mas só oito sobreviveram - Mário, casado com a prima Thereza; Marieta, casada com José Olavo Fay; Mariá, casada com Tito Paranhos; Lauro, casado com a prima Maria; Ney Filho, casado com Nilda Souza; Dário, casado com Lourdes Vilamil; Marcolina, casada com Romeu Luiz Pereira da Silva, e Adolfo, casado com Zilda Souza. O Cel. Ney teve como irmãos - Estácio, radicado em Bagé e seu companheiro de revolução, Amália, Palmira, Caio, Cândido, Nelson, Hipólita, José e Marcolino. (aquela gente não tinha outra coisa que fazer...)

FECHANDO A PORTEIRA.
Ainda a Fazenda da Invernada.
Pois ao voltar ao passado tão distante, fico buscando conclusões, do que ficou plantado dentro de mim, com aquela educação tão rígida. O velho austero, rude, azedo, e as vezes mal educado caudilho, Cel. Ney Xavier Azambuja, era um homem de escondida ternura. Afirmo isto porque quando das nossas despedidas, a emoção tomava conta daquele homem duro, e as lágrimas escorriam pelo enrugado de sua face, e mesmo sem ofertar um beijo ou um abraço, externava a dor da partida, por aqueles a quem amava. Então se hoje cultivo a virtude da humildade, do respeito e da ordem, tenho de agradecer aos momentos difíceis de uma infância, passada ao lado daquele caudilho, que não aprendi a amar, ou não me deixou amá-lo. Resta o reconhecimento de gratidão.

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Galo Velho

Camaquã, Rio Grande do Sul, Brazil
Fundado em 05/07/1980, assim foi escrito em sua 1ª página do 1º Livro: “O que importa neste GALPÃO é que cada um saiba ser irmão do outro. Aqui terminou o patrão e o empregado; o pobre e o rico, o branco e o preto; o burro e o inteligente; o culto e o ignorante. Aqui é a INVERNADA DA AMIZADE e tem calor humano como tem calor de fogo. Nosso Galpão nem porta têm, está sempre aberto para quem buscar um abrigo. Neste Galpão os corpos cansados da lida diária encontrarão sempre um banco para descansar, e um mate amargo para a sede matar. Aqui o frio do Minuano não encontra morada, temos toda a Sant’Anna irmanada. A cada nascer de uma madrugada há de encontrar alguém aquentando fogo, buscando nas cinzas do passado, o Galo Velho que será, quando partir para a Invernada do Esquecimento. Ninguém será esquecido, se passar nesta vida vivendo como o nosso “Galo Velho” viveu, a todos querendo, sem nunca ter o mal no coração.”